Alexandre Wollner e o Significado Gráfico
#8 | Uma newsletter sobre Design e seus desígnios © Casa Barcelona
Olá, você está na edição #8 de "Uma newsletter sobre Design e seus desígnios", da Casa Barcelona, escrito por Ricardo B. Motta.
Dando sequência a coparticipação de autores para o desenvolvimento de edições especiais, hoje apresento o meu amigo e irmão Guilherme Thies.
Designer gráfico com talento estético natural e inclinação ao jornalismo — seu pai é um verdadeiro amante da impressa gráfica —; ele consegue "minerar" conteúdos únicos e reveladores em sua timeline no Facebook.
Numa postagem recente, o Gui Thies publicou o documentário "Alexandre Wollner e a Formação do Design Moderno no Brasil" e começamos a conversar sobre a importância do seu trabalho de formação da profissão no país.
O conteúdo desse material é resultado desse papo, esperamos que possa contribuir com seu conhecimento e aprendizado.
Alexandre Wollner e o Significado Gráfico
por Guilherme Thies e Ricardo B. Motta
Falar de Alexandre Wollner é sintetizar o significado da linguagem visual — sua forma de pensar e de compor dentro do Concretismo, escola da Arte que visa explorar o espaço, a forma, a geometria do objeto que se apresenta a si mesmo.
Na poesia, ao invés da rima, a própria palavra (também chamada palavra-objeto) — se quiser ler um texto mais detalhado sobre o Concretismo, acesse a Enciclopédia Itaú Cultural.
Não podemos afirmar como cada etapa dessa relação Concretismo-Design Gráfico ocorreu, mas essas expressões geométricas são de fato interessantes para gerar uma forte expressão visual para as Marcas.
E talvez tenha sido muito natural para Wollner — que estaria em desenvolvimento da sua própria profissão — adotar tais princípios como iremos apresentar no exemplo escolhido para essa edição.
O Papel do Concretismo
Papel, Embalagem, K, Floresta.
Numa das passagens mais interessantes do documentário (mais precisamente no min. 15:17), Wollner explica a marca da Klabin com essas 4 palavras acima.

Fugindo um pouco das explicações convencionais sobre planos e cores, que descendem da Arte Concreta e da escola Bauhaus, é possível considerar no Design Gráfico de Wollner uma busca "concreta" de usar o símbolo geométrico como meio de comunicação.
A marca, o ícone — que é a referência visual a ser registrada e lembrada — é distribuída pelos elementos gráficos que compõem grafismo de Klabin: o Papel é a base, a Embalagem é a forma angular que gera a letra K, a cor verde é a Floresta, aplicada sobre a base (podemos inclusive considerar a semiótica da floresta como base de negócios de uma indústria de papel).
Essa forma direta, concreta de representação geométrica, muitas vezes é considerada uma das principais características de construção de um Design Gráfico de qualidade.
Mesmo que o significado fique subjetivo, como é o caso da Klabin, ele é a origem da composição e facilita inicialmente o entendimento da comunicação interna, dentro de qualquer organização; e sequencialmente, favorece o desenvolvimento de uma cultura ao redor daquela forma, daquela marca. Veja essa foto da apresentação no site da Klabin:

Em entrevista à Folha de São Paulo em 2019, a esposa de Wollner, a física Lais Wollner explica que ele "relacionava, estruturas, formas e significados, sempre observando o comportamento da natureza — o equilíbrio, a harmonia e seu segredo implícito: a estruturação modulada proporcional".
Quando o Gui Thies me enviou algumas ideias sobre esse texto, ele não foi somente buscar as referências conceituais do trabalho do Wollner, mas sim a sua experiência vivida na infância. Vou reproduzir aqui, porque é muito bonito notar como o Design pode captar nossa atenção mesmo na tenra idade:
"Com advento da internet no final da década de 90, em uma busca por uma palavra que muitos estavam falando no meio das artes: “design”, encontro uma matéria sobre Alexandre Wollner e descubro que ele fazia parte da minha vida em muitos momentos e que eu nem imaginava (da minha e muitos brasileiros).
Por exemplo, a caixa de fósforos que eu brincava na infância (na época podíamos brincar com essas coisas) com o ícone estilizado minimalista; a lembrança de uma tia que trabalhava no Itaú, inesquecível; outro tio que era "grandão" lá na Klabin; um monte de vizinhos que trabalhavam na Metal Leve; tínhamos uma TV da Philco em casa! A fechadura da porta era da Papaiz; o gás de cozinha era da Ultragaz; as minhas camisetas eram da Hering; tinha sardinhas Coqueiro sempre na despensa; se fosse em algum prédio os elevadores eram da Atlas; enfim, todas essas identidades, símbolos, signos, marcas já estavam gravados em meu inconsciente... e assim descobri a importância desse mestre, o pioneiro e o maior designer do Brasil, alcunhado com méritos indiscutíveis como “pai do Design brasileiro".
Guilherme Thies
Wollner dizia que “toda marca tem ser inteligente e compreensível”.
Essa compreensão é proveniente da intenção e da inteligência com a qual se comunica através da forma e da funcionalidade; em que ela permite ao ser projetada nas mais diversas aplicações, permeando a identidade e estabelecendo uma cultura — esse é o "grande selo", o significado do Design Gráfico.
Em seu livro "Textos Recentes e Escritos Históricos", Wollner define o Design relacionado às marcas da seguinte maneira:
“Uma definição de design… É muito difícil, porque a evolução da linguagem, dos elementos técnicos é tão rápida que se fala de uma coisa hoje e ela é diferente amanhã. (...) Não é só fazer uma marquinha sem se preocupar com o comportamento que essa marca vai ter em todo o contexto, não só da indústria, mas também da comunicação visual. Ela precisa estar baseada em toda uma estruturação e prever aplicações bastante coerentes. Essa é a proposta do design, que não está preocupado com a estética, mas com a função, com materiais, com a ergonomia visual, com aplicações planas e não planas. (...) Um trabalho de design gráfico deve durar no mínimo vinte a trinta anos. Um logotipo não perde a atualidade, e a potencialidade está em torno desse sinal, desse elemento”.
Breve história do "pai do Design brasileiro"
Wollner nasceu em São Paulo em 1928.
Seu primeiro contato com o Design foi na oficina de tipografia do pai, um imigrante iugoslavo.
Estudou na adolescência no Instituto de Arte Contemporânea do Museu de Arte de São Paulo.
Ganhou uma bolsa para estudar na recém-criada Escola da Forma de Ulm (sucessora da Bauhaus) e lá, foi influenciado pela arte concreta.
Ganhou o prêmio de jovem pintura da II Bienal de Arte de São Paulo, em 1953, com a tela "Composição com Triângulo Proporcional" (hoje no acervo do MAC USP).
No Brasil, criou a FormInform, escritório pioneiro em Design no país.
Fundou a primeira escola de Design do país, a Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro (ESDI).
Nos anos 60, desenvolve marcas que estão no imaginário popular, como o logotipo do Itaú, dos elevadores Atlas e as embalagens das sardinhas Coqueiro, entre outros.
Presidiu a Associação Brasileira de Desenho Industrial (ABDI) em duas gestões (de 1970 a 74).
Faleceu em 2018 com quase 90 anos, e trabalhou até seus últimos dias.
Design e Construtivismo no Brasil
Na página ARTExplorer do flickr, encontramos as fotos de uma exposição realizada em 2009 com o tema "Design e Construtivismo no Brasil" onde Wollner foi integrado a partir de um projeto de construção de marca.
Desta exposição, achamos interessante destacar dois textos que trazem informações preciosas sobre o tema e a época.
Primeiro de abertura da exposição — abaixo da imagem reproduzimos o texto completo para melhor leitura:
DIÁLOGO CONCRETO é uma exposição sobre a memória e também sobre o poder mobilizador das imagens numa sociedade de massa. Depois de mudar o rumo da arte brasileira com movimentos como o Concretismo e o Neoconcretismo, os artistas construtivos expandiram os limites de sua criação para além dos museus e galerias. Aplicaram os jogos ópticos e cromáticos apreendidos e adaptados da Bauhaus e do De Stijl (principal Mondrian) a embalagens, logomarcas, móveis, jogos, cartazes, projetos de arquitetura e urbanismo, jornais, revistas e capas de livro. Era o sonho do artista total e do público irrestrito que começava a ganhar forma, replicando para a rua as descobertas mais avançadas que faziam sobre a arte e a própria obra. A exposição reúne os móveis de Geraldo de Barros e Abraham Palatnik — deste último, há ainda jogos e o inusitado projeto para um cortador de coco babaçu, que chegou a ser patenteado. O trabalho em logomarcas também foi outro destaque desta geração e está representado pelas obras de Wïllys de Castro, autor da logomarca da Mobília Contemporânea, e Alexandre Wollner, criador do histórico projeto de identidade visual para as sardinhas Coqueiro. Lygia Clark e Waldemar Cordeiro representam as relações do design com a casa e a cidade. Lygia criou um projeto para a aplicação da arte na esfera doméstica, caso de Maquete para interior, enquanto Cordeiro concebeu os brinquedos para o playground do Clube Esperia, em São Paulo, apropriando-se dos jogos visuais com luzes e cores propostos pelo construtivismo. Amilcar de Castro e Aluisio Carvão compõem o segmento das artes gráficas: o primeiro com a reforma visual do Jornal do Brasil e Carvão com o trabalho constante como capista de livros. Os cartazes e prospectos de Antonio Maluf, Mary Vieira, Almir Mavignier, Geraldo de Barros, Alexandre Wollner e Willys de Castro ilustram um meio de expressão que foi frequente nesta geração. O cartaz foi quase um outdoor para a vanguarda, a forma mais simples e corriqueira de aplicar esta nova forma de abordar a arte. Muitas das obras presentes na exposição vão ser reconhecidas de imediato por quem entrar na galeria. Outras podem surpreender, ao levar a uma associação com outros trabalhos, outras formas já vistas. E é aí que reside sua força: são alavancas para a memória e o desejo, ingredientes fundamentais para a fixação, o consumo, a massificação. Esta familiaridade garantiu sua sobrevivência. E as transformou em provas de um tempo em que a arte sonhou não ter limites.
Daniela Name - CURADORA
E segundo, texto de apresentação do trabalho de Alexandre Wollner dentro da exposição:
ALEXANDRE WOLLNER
Aplicou princípios construtivos na identidade visual das sardinhas Coqueiro, de 1958. A logomarca apresenta as folhas do coqueiro feitas a partir de uma sequência de círculos secionados. Na lata, o próprio peixe é feito a partir de um triângulo e de um quadrilátero — um losango alongado — que se encontram pelos vértices. O projeto resistiu ao tempo até que, em 2000, a Quaker do Brasil, atual proprietária da marca, adulterou o projeto. O coqueiro em forma de ícone foi substituído por uma ilustração, diminuindo assim a rapidez de memorização da marca que o ícone garantia. Com a ilustração e a adição de fios e outros elementos que perturbam a absorção de informação, ficou mais difícil gravar na memória a marca da Coqueiro. A carreira de Wollner mescla dois pioneirismos: foi um dos primeiros artistas a aderir ao movimento concreto paulistano e um dos primeiros designers brasileiros reconhecidos como tal.
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A imagem de divulgação desta edição utiliza ao fundo a imagem do Cartaz comemorativo dos 60 anos USP / 31 anos MAC-USP em 1994.